Do outro lado.



Em processo de decantação, é assim que a nossa alma às vezes amanhece: apartando nossas misturas, nossas iguarias, nossas inusitadas substâncias, essências e especialidades. Como um sonho quando escolhe o seu horizonte, um aperto quando escolhe o seu desfecho. Como quando a gente se escolhe e o agora abre mão do antes de para alcançar o adiante. Então qualquer coisa parece tristeza, parece não querer mais tanto, o tudo. Quando no fundo, tudo é só mais um caminho pouco pisado, pouco refletido.


Mas já se sabe que, separar certos instantes de incertos momentos é a forma mais sábia e sigilosa que a vida tem de nos ensinar a amar certas colheitas, de nos ensinar a não contar nos dedos os minutos que faltam para o próximo abraço, para o próximo desvio, para a próxima esquina, para o próximo suco de esperas. É a forma mais sábia e sigilosa que a vida tem de nos ensinar o que existe do outro lado do funil, de nos ensinar as palavras que ainda nem foram ditas, o afeto que ainda não foi experimentado, a chegada não premeditada. 

Presentear algo ou alguém com uma muda de tempo, com uma muda de recolhimento, nos ensina a presença do outro muito antes da saudade, muito antes da ausência. Não estou falando de demoras nem distâncias. Não estou falando de adeuses em despedidas ou desistências. Estou falando de um saber - se perto ainda que longe, ainda que em silêncio, ainda que desacontecendo por dentro.

Eu estou desaprendendo. Resignada, não aguardo o próximo gole. Só a próxima sede.

Priscila Rôde

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